*Texto de autoria do Dr.Cassio Vieceli, advogado especializado em Transporte Rodoviário de Cargas.
- Destaco inicialmente, que este texto reflete apenas e tão somente uma
opinião do que pode acontecer na prática com esta equivocada exigência. Sempre
fui e serei a favor da realização do exame toxicológico, pois trata-se de uma
garantia justa do empresário de ter o conhecimento sobre se o motorista está –
ou não - sob efeito de substância ilícita.
É um direito da sociedade e obrigação do Estado coibir o uso de
substância ilícita por a qualquer usuário, ainda mais daquele que é
profissional do volante.
Este profissional deve primar pela própria vida, pela vida dos outros e
pelo patrimônio do seu empregador e de terceiros.
Destaco, ainda, que o objetivo da realização deste exame é simplesmente a
preservação da vida do próprio motorista - e as vidas de todos nós que usamos,
diariamente, as mais diversas estradas da nossa região e país.
A portaria 116/15 do Ministério do
Trabalho e Emprego, colhe em seu bojo o anexo
único, o qual frisa, em seu item 1, que os motoristas profissionais devem ser
submetidos ao exame toxicológico antes da admissão e quando da demissão.
Veja-se:
“1.
Os motoristas profissionais do transporte rodoviário coletivo de passageiros e
do transporte rodoviário de cargas devem ser submetidos a exame toxicológico em
conformidade com este Anexo.
1.1.
Os exames toxicológicos devem ser realizados:
a)
previamente à admissão;
b)
por ocasião do desligamento”.
Ainda, prevê que a detecção é de 90 (noventa) dias e somente poderá ser
realizado por laboratórios credenciados – e, ainda, que a realização do exame,
de acordo com a portaria, deve ser através de amostra de cabelo.
Com estas simples, mas estranhas regras, emergem inúmeras dúvidas acerca
dos efeitos práticos e jurídicos, que expõem as empresas a todos o riscos de mais
este passivo trabalhista criado a seu desfavor.
Cumpre destacar que esta “regulamentação” adveio da regra trazida pela
Lei 13.103/15 - a conhecida Lei dos Motoristas -, da qual este escritório
jurídico, que representa os transporyadores, teve a oportunidade de participar.
A Lei 13.103/15 alterou o artigo 168, da CLT, implementando os §§ 6º e
7º.
Veja-se:
§
6o Serão exigidos exames toxicológicos, previamente à admissão e
por ocasião do desligamento, quando se tratar de motorista profissional,
assegurados o direito à contraprova em caso de resultado positivo e a
confidencialidade dos resultados dos respectivos exames.
§
7o Para os fins do disposto no § 6o, será
obrigatório exame toxicológico com janela de detecção mínima de 90 (noventa)
dias, específico para substâncias psicoativas que causem dependência ou,
comprovadamente, comprometam a capacidade de direção, podendo ser utilizado
para essa finalidade o exame toxicológico previsto na Lei no
9.503, de 23 de setembro de 1997 - Código de Trânsito
Brasileiro, desde que realizado nos últimos 60 (sessenta) dias.” (NR)
Diante das
consequências desastrosas que podem advir, a Portaria nos traz várias dúvidas
sobre a praticidade disso, mas acima de tudo adianto, trará um risco imenso
unicamente às empresas de transporte, que ao que tudo indica, assumirá todos os
ônus e riscos de uma impensada regra, imposta sem discussão e debate.
Os principais questionamentos e constatações do setor são os seguintes:
1. A Portaria MTE 116/2015 como norma regulamentar deve ser exequível - e não uma
simples norma de caráter pedagógico;
2. O exame toxicológico de larga janela de detecção é matéria
afeta à saúde pública - e a Portaria não esclarece vários aspectos importantes
para dar cumprimento à Lei 13.103/2015;
3. É notório que não há laboratórios acreditados para análise do exame toxicológico no Brasil;
4. O custo do exame toxicológico de larga janela é elevado, girando em torno de R$ 300,00 a R$ 350,00;
5. O tempo de resposta para a empresa e/ou empregado sobre o resultado do exame poderá causar problemas e conflitos trabalhistas desnecessários;
6. O Anexo 1 da referida Portaria não indica os parâmetros e se os limites de tolerância são adequados sob o ponto de vista médico. Há necessidade de manifestação formal do Ministério da Saúde sobre os parâmetros e limites de tolerância contidos no Anexo 1;
7. De acordo com a Lei 13.103/2015 o CTB e a CLT permitem que o exame toxicológico obrigatório seja aproveitado tanto para a legislação de trânsito quanto para a legislação trabalhista, desde que realizado dentro dos últimos 60 dias;
8. Essa dupla previsão do exame toxicológico (na CLT e no CTB) justifica uma manifestação formal também do Ministério das Cidades (a quem o CONTRAN encontra-se subordinado), sendo recomendável uma regulamentação única (MTE e CONTRAN), para que se evite interpretações conflitantes sobre o mesmo assunto;
9. A Portaria 116/2015 exclui o exame toxicológico do
Programa de Controle Medico e de Saúde Ocupacional (PCMSO) sem qualquer
justificativa. Em se tratando de matéria relativa à política de saúde publica,
a inclusão do exame toxicológico no PCMSO possibilita o acompanhamento pela
empresa da existência ou não de dependência química ou do uso ocasional e
deliberado da substancia tóxica;
10. A exigência do exame toxicológico apenas para os motoristas de transporte de cargas e de passageiros, deixando outras categorias de fora da obrigatoriedade, tais como, taxistas e moto-frete, viola o princípio constitucional da igualdade.
Estes questionamentos e constatações foram encaminhados pela CNT –
Confederação Nacional do Transporte, através do ofício CNT/PRE Nº 00006/2016,
datado de 11 de fevereiro de 2016, ao Exmo. Sr. Ministro Miguel Rossetto, que infelizmente
até esta data não se pronunciou sobre a matéria.
Em virtude destes questionamentos, o exame toxicológico, na forma como se
apresenta, gerará embates jurídicos desnecessários. Mais que isso, sem sombra
de dúvidas, trará um passivo perigoso e uma discussão jurídica perigosa.
Por exemplo, dentro da regra imposta unilateralmente, chega-se a
indubitável conclusão de que, mais uma vez, o contribuinte (empresário,
motorista e todos os demais), ficam à mercê de interesses duvidosos, como foi
ocaso do famoso e inesquecível “Kit de primeiros socorros”.
Mas vamos adiante. Quando da contratação, o empresário deverá, às suas
expensas, solicitar ao motorista a realização do exame. Inicialmente, ficou
fácil ao Ministério do Trabalho e Emprego atribuir esta responsabilidade ao
empresário.
Este ônus, certamente deveria ser do governo, nos termos do que existe
estatuído na nossa Carta Magna, mais precisamente em seu artigo 6º, que
preceitua: “São direitos
sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o
transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição” – grifamos.
Outrossim, vamos analisar juntos a seguinte hipótese: o motorista
concorda em se submeter ao exame. Aqui temos duas situações: a) ele sabe ser usuário de
substância ilícita, e por saber que o exame demora para ficar pronto irá
trabalhar até o retorno do mesmo, tendo ainda, o direito à contraprova, o que
demandaria mais tempo; b) O motorista, conhecendo da legislação, fica sem usar qualquer substância
nos 90 dias que antecedem a procura de um emprego, e logo que o consegue, volta a fazer uso da substância
após o início da atividade laboral.
Infelizmente, sem sombra de dúvidas, é o que irá acontecer.
A consequência disso é imensurável. Serão mortes nas rodovias (o que não
é novidade), aonde, por um ato impensado, ou mesmo um vício, a responsabilidade
cível recairá sobre o proprietário do veículo.
São vários os aspectos que estão sendo ignorados: Por exemplo, cito a
questão da responsabilidade civil: quem pagará o dano em caso de acidente
ocasionado pelo motorista sob efeito da substância ilícita? Outra, corre-se o
risco de provavelmente a seguradora negar a cobertura ao acidente, devido a tal
situação.
Note-se que o transportador está unicamente na dependência da sorte, pois
poderia estar contratando um motorista dependente químico, sem saber, por uma
deficiência operacional, colocando a vida de terceiros inocentes em risco.
Depender da sorte, ou de uma incoerência de uma regra criada sem conhecer
a fundo o setor, ocasionará um efeito nefasto na área do transporte rodoviário
de cargas.
Em virtude
disso, estamos ajuizando uma ação judicial, visando à suspensão provisória da
exigência do exame toxicológico, até que esta Portaria seja revista e outras
regras mais claras sejam criadas.
*Cassio Vieceli é advogado atuante no
transporte rodoviário de cargas
e-mail: cassio@advocaciavieceli.com.br
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